Na arte, a ideologia realista definiu-se pela substituição dos ideais imitados da Antiguidade por modelos reais. Isso significou uma substituição de conceitos transcendentes (cristãos) por uma percepção da realidade natural nas representações. Com base nisso, houve e há numerosas escolas que podem ser qualificadas como "realistas", mesmo o realismo em si não sendo um movimento unitário, a exemplo do que foram a modernidade e o vanguardismo.
O realismo reivindica a construção de um mundo imaginário com efeito de real, mas também visa, ainda que contraditoriamente, recuperar uma idealidade: dizer alguma coisa sobre o real, e não apenas sobre a realidade momentânea.
De maneira geral, foram poucos os movimentos cinematográficos que procuraram algo totalmente diferente do realismo. Quase todos os movimentos, que dele se afastaram ou que reagiram contra o realismo, respeitaram o programa de adequação ao real ou de revelação do real. Por isso, é difícil definir no cinema correntes realistas. Os maiores expoentes são Vittorio de Sica e Lars von Trier, cineastas que engendraram, respectivamente, o Neorrealismo Italiano e o Dogma 95.
O Neorrealismo italiano foi um movimento cinematográfico surgido nos anos 1940. Caracterizado por obras de baixo orçamento, cujos temas sobre as dificuldades econômicas e sociais oriundos na Itália pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o movimento emergiu numa época quando o principal estúdio de produção cinematográfica italiano, a Cinecittà, fora bombardeado. Nesse contexto, um grupo de cineastas foi às ruas, em locações reais, usando iluminação natural e o mínimo de equipamentos técnicos possível. Os filmes eram estrelados por atores não profissionais no intuito de capturar histórias de povos humildes.
Dirigido por Vittorio De Sica, Ladrões de Bicicleta (ITA, 1948) é uma das obras peças-chave do neorrealismo italiano. Antonio Ricci (Lamberto Maggiorani), um desempregado na Roma do pós-guerra, consegue um trabalho como ciclista e colador de cartazes de cinema. Contudo, assim que ele começa a trabalhar, a bicicleta é roubada.
Enquanto Holywood exportava ao mundo seu modelo de cinema cada vez mais refinado e cheio de truques nos anos 1980 e 1990, um núcleo de cineastas dinamarqueses pendia para o outro lado da balança, criando um cinema de vanguarda e contrário à individualização da sétima arte. O Dogma 95 foi um manifesto dinamarquês de 1995, que exigia filmagens em locações, câmeras na mão, som direto e a não utilização de efeitos especiais. Dois longas brotaram a partir dessas regras básicas: Os Idiotas, de Lars von Trier (DIN, 1998), e Festa de Família (DIN, 1998), de Thomas Vinterberg. As duas obras são atos de rebelião e ousadia literalmente definidos por suas concepções de classe media. O trabalho de Vinterberg soa mais convencional, inspirado e verdadeiramente mais explosivo do que o de von Trier.
Filmado com as menores e mais leves câmeras de vídeo disponíveis na época, Festa de Família (1998) é a crônica de batalhas familiares amargas e violentas que se desenrolam em uma casa de campo, onde o aniversário de 60 anos do patriarca é comemorado pouco tempo após a irmã gêmea do filho mais velho ter se suicidado. As formas extremas de comportamento agressivo que emergem desde o início, bem como o estilo dos cortes rápidos e crus, é notório logo na primeira sequência do filme.
Durou apenas três meses o processo de escrita, filmagem e edição de Os Idiotas (DIN, 1998), escrito e dirigido por Lars von Trier (ainda que seu nome não figure nos créditos, por ser uma das cláusulas do Dogma 95). Violando pequenas leis do contrato social, um grupo de jovens intelectualizados comportam-se como portadores de deficiência mental para testar a reação da sociedade pequeno-burguesa de Copenhague. Nesta cena está presente as características realistas do Dogma: câmera na mão, o som direto e a locação externa.
Com roteiro, direção e produção de Alexandre Stockler, Cama de Gato (2002) nasceu a partir do Trauma 99 ("Tentativa de Realizar Algo Urgente e Minimamente Audacioso"), manifesto idealizado por Stockler que buscava trazer ao Brasil um pouco da ruptura e das polêmicas do Dogma 95 supracitado. O longa, típica obra undergroud, foi captado em digital, orçado em R$ 97 mil e conquistou o prêmio de melhor filme na opinião do Júri Popular da 26ª Mostra Internacional de São Paulo de 2002. Protagonizado por Caio Blat, nós selecionei esta cena para exemplificar as características do realismo presentes no longa: locações externas, câmera na mão e som direto – sem as atuais técnicas de automated dialogue replacement (ADR).
4 Filmes Realistas
1. Ladrões de Bicicleta, Vittorio De Sica (ITA, 1948)
2. Festa de Família, Thomas Vinterberg (DIN-SUE, 1998)
3. Os Idiotas, Lars von Trier (DIN, 1998)
4. Cama de Gato, Alexandre Stockler (BRA, 2002)
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